Vivienne é teatro falando do próprio teatro*

Peça da mostra Coletivo de Pequenos Conteúdos surpreende com montagem debochada e inteligente

Sávio Malheiros e Patrícia Cipriano em cena de Vivienne, peça divertida que satiriza a construção do teatro contemporâneo. Foto: Rubens Nemitz Jr./Gazeta do Povo.

Vivienne é uma escritora em crise criativa. Depois do sucesso alcançado aos 12 anos com a publicação de um romance sobre um menino judeu escondido sob o assoalho, ela nunca mais conseguiu repetir o seu feito infantil. Agora, perto dos 30 anos, com outras preocupações na cabeça, dentre elas a possibilidade de um AVC, ela quer deixar uma marca, mas não tem ideia, apenas algumas frases soltas sobre o amor.

Encontramos uma Vivienne alucinada quando entramos no TUC – Teatro Universitário de Curitiba, onde a peça que leva o nome da personagem está sendo exibida até sábado. Uma seleta plateia é convidada a assistir ao espetáculo em cadeiras espalhadas pelo palco, o que a torna participante e cúmplice dos tormentos da escritora que, desesperadamente, procura algo inédito e bom para escrever, mas não consegue, nem com a ajuda dos amigos que se aglomeram no seu apartamento.

Aliás, é normal que amigos sejam condescendentes quando colocados no papel de críticos. Há laços mais importantes que precisam ser mantidos e é por isso que a crítica, seja ela positiva ou negativa, dá lugar à simples bajulação. É preciso que um escritor célebre, que surge na peça na forma de um assado para ser devorado por comensais sedentos de arte e inspiração, mostre a Vivienne o caminho para o seu sucesso. É a partir daí que “Vivienne”, não mais a personagem, mas a peça, envereda sobre o tema que quer explorar: o teatro contemporâneo.

Satírico, o espetáculo faz rir – e muito –dos pressupostos artísticos que ditam a construção do teatro atual: pegue um fato cotidiano – a crise criativa, por exemplo – e o envolva em meio ao caos de ideias, sentimentos e personagens, tendo como mote a metalinguagem – o teatro falando do próprio teatro. Junte um pouco de filosofia e algo de mistério – aquilo que o público não vai reconhecer de imediato – ao texto e o entregue a um diretor consagrado, que possa desconstrui-lo de acordo com a sua própria dramaturgia. E deixe, por fim, que o crítico, o grande vilão de Vivienne, a peça, desenvolva as teorias que, no fim das contas, estão fadadas à morte.

É uma maneira de ver as coisas e “Vivienne” acerta justamente por não se levar a sério. Despretensiosa, ela se torna um jogo divertido e cheio de qualidades: o cenário caótico, o texto rápido e irônico, e um elenco que, embora desigual, torna o espetáculo agradável. O destaque vai para Patrícia Cipriano, atriz que dá vida à protagonista, e sua atuação algo neurótica e exagerada, mas delicada em certo sentido, que causa empatia e faz rir em muitos momentos.

Desenvolvida por um grupo de atores como trabalho de conclusão do curso de artes cênicas daFaculdade de Artes do Paraná, a montagem surpreende em meio à produção de grupos iniciantes. Isso não significa que não haja tropeços. Na tentativa de caracterizar tudo o que sinalizam como elementos deste teatro contemporâneo, algumas situações não se encaixam na narrativa e são lançadas na peça apenas para arrancar gargalhadas da plateia – o que funciona, é verdade, mas que também dá provas de inconsistência.

Personagens deslocados e atuações afetadas também minimizam o sabor agradável da peça, que muitas vezes peca pelo exagero. Logicamente, ele é proposital, mas parece diminuir o impacto das questões que, mesmo em meio ao absurdo e ao cômico, são importantes para o jovem grupo de atores – afinal, são eles que colocam essas questões em cena.

Problemas à parte, “Vivienne” é uma grata surpresa. Leve, irreverente e debochada, a peça merece ser vista, se não pelo tema que propõe, pelo menos para se ter boas risadas.

* Texto publicado originalmente em 05/04/2012 na página do Festival de Teatro de Curitiba da Gazeta do Povo Online. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/festivaldecuritiba/conteudo.phtml?tl=1&id=1241454&tit=Vivienne-e-teatro-falando-do-proprio-teatro.

2 Comentários

Arquivado em crítica

2 Respostas para “Vivienne é teatro falando do próprio teatro*

  1. Pingback: cenacuritibana

  2. Pingback: Notas não tão curtas sobre uma peça ruim (ou algo sobre Gerald Thomas) | cenacuritibana

Deixe um comentário