Exposição: desdobramentos da experimentação cênica ganham espaço no Novelas Curitibanas

Peça transpõe para o palco ideais artísticos que marcaram as obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica nos anos 60 e instiga uma nova percepção do fazer teatral

Exposição: ideais artísticos de Lygia Clark e Hélio Oiticica dão a tônica do espetáculo que investe na experimentação cênica. Foto: Leco de Souza/divulgação.

Compilações de trechos de cartas de Hélio Oiticica para Lygia Clark, entregues em uma única carta ao espectador antes do início espetáculo, sinalizam o que pretende ser Exposição, peça do coletivo Couve-Flor que está em cartaz até 26 de agosto no Teatro Novelas Curitibana com entrada franca. Exposição é uma “grande sala de experimentação” na qual atores e diretor se expõem em um tipo diferente de contato com o público, um público que, também ele, experimenta uma forma distinta de encarar – e a palavra é esta – a experiência cênica que se apresenta.

Concebida a partir das cartas trocadas entre Oiticica e Clark de 1964 a 1974, a peça transporta para o espaço cênico os ideais dos dois artistas que revolucionaram as artes plásticas brasileiras na segunda metade do século XX, alterando as percepções de tempo e espaço da obra de arte e do papel do espectador em relação a ela, fazendo dele sua parte integrante e seu coautor. Não só transporta como também se apropria desses ideais: sai a obra de arte e entram a experiência cênica e o fazer teatral, compartilhados com o público de modo que ele também atue na sua construção. Ou melhor, na sua conclusão, como de fato se dá em Exposição.

Até chegar a este desfecho “interativo”, o espetáculo é uma grande discussão sobre a possibilidade de experimentação e uma prova de como ela pode existir no espaço cênico. Da entrevista coletiva que abre o espetáculo até o discurso do ator Eduardo Simões sobre a natureza da proposta que colocam para a plateia, tudo converge para esta possibilidade que, de fato, acontece. É um preparo e um convite que, claro, não precisa ser aceito, mas se torna irrecusável para alguns.

Com dramaturgia assinada por Dimis Jean Sores, que também divide a direção com Cândida Monte e Gustavo Bitencourt, Exposição recebeu a colaboração da premiada diretora e encenadora paulista Cibele Forjaz, que trouxe para o Festival de Teatro de Curitiba deste ano o seu aclamado O Idiota – uma novela teatral – e que retorna à capital paranaense para um bate-papo sobre Exposiçãono dia 19 de agosto

Eduardo Simões em cena de Exposição. Foto: Leco de Souza/divulgação.

também no Novelas. Dividida em quadros, a peça é um desdobramento desta possibilidade de experimentação, numa sucessão de recortes que versam sobre a obra teatral, o ato de representar, os limites da encenação etc. É metalinguagem enfim. E, de novo, metalinguagem.

Usar uma peça para discutir o fazer teatral tem sido uma aposta recorrente nisso que se chama nova dramaturgia, principalmente entre grupos mais jovens. Faz sentido. Afinal, como fazer algo novo quando, aparentemente, tudo já foi feito em termos de dramaturgia? No entanto, esta aposta não só tem se tornado repetitiva, como também pouco expressiva em termos de produção espetáculos relevantes.

Exposição incita uma curiosidade e um olhar atento para aquilo que propõe. Diverte em muitos momentos e consegue ser genial em alguns de seus quadros – o improviso do ator que tem três minutos para fazer o que quiser em cena, a bajulação que se segue e a ligação da atriz insegura para o diretor que teme ser colocada a prova (atuação impagável de Mariana Ribeiro) são alguns deles –, mas peca pela falta de coesão e um senso de unidade que permita entendê-la como uma obra teatral como tal. Não que isso a comprometa como espetáculo e espaço para a experimentação cênica. O envolvimento do público, até mesmo durante a interação final, dá provas de que a peça agrada. Isso diz muito, ainda mais quando o que se quer passar nem sempre faz sentido para a plateia.

Exposição – um espetáculo teatral

Teatro Novelas Curitibanas

R. Pres. Carlos Cavalcanti, 122 – São Francisco

De quinta a domingo, às 20h

Até o dia 26 de agosto

ENTRADA FRANCA

5 Comentários

Arquivado em crítica

5 Respostas para “Exposição: desdobramentos da experimentação cênica ganham espaço no Novelas Curitibanas

  1. Pingback: Outro olhar sobre Exposição | cenacuritibana

  2. Demorei um pouco para comentar porque achei a peça muito cheia de significantes. Agora é que começo a simbolizar algumas coisas, da releitura de tua crítica, da reflexão sobre o tema, da conversa a respeito. Vejo agora, só duas semanas depois, que o tema da peça não é a produção teatral, não é mera metalinguagem. Trata-se da produção artística e, no limite, da postura política do ser social que é o homem.
    Oiticica e Clark tinham o objetivo de chacoalhar a arte burguesa no ritmo dos anos 60. Agora, 40 anos depois, a quarta parede já foi há muito derrubada e não existe mais arte marginal. Tudo parece, na verdade estar à margem: estamos todos, simultaneamente, incluídos e excluidos desta idealização que chamamos sociedade. E acho que é disso que a peça trata. Acho ainda que a metalinguagem não teria sido suficiente para nos cativar quando a moça canta chiquita bacana. Ali, naquela cena específica, a questão que se destaca é justamente o Outro. E não é por acaso que Chiquita Bacana só faz o que manda o seu coração, ela é existencialista, acredita que “o inferno são os outros”. Mas agora na pós-modernidade, o inferno são os outros e alguns de nós tampouco gostam do céu. Beijo Fernando! Espero você no Teatrofagia!

    • Oi, Cilene. Valeu pelo comentário! Achei interessante sua perspectiva e faz muito sentido. No entanto, vou insistir na metalinguagem – que não é “mera metalinguagem”. Logicamente, a peça, ao tratar do teatro, fala do e com o outro, que está dentro e fora da peça. Fala do homem, portanto, e da produção artística também. A peça é interessante por isso e consegue ter excelentes momentos, mas falta nela, talvez, um certa unidade – o que, talvez, dilua o peso das questões que coloca, como essas que você menciona inclusive. Mas esta é uma perspectiva particular. Legal que você trouxe a sua! E estamos acompanhando o Teatrofagia! Bjo!

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